sábado, 11 de julho de 2020

Detalhes, porque detalhes importam

                    O deveras pesado sono de João Augusto da Silva é interrompido por uma voz amiga. Sua mãe, entre cozinhar e passar e limpar a mesa da cozinha, grita “Acorda pra se arrumar! Senão vai se atrasar pra escola!”. Numa sonolência cambaleante, João se dirige ao banheiro , afinal, são 5 da manhã. Na correria, João precisa engolir o café, fazer alguns minutos de caminhada, e pegar um ônibus de uma hora e meia de trajeto para estar na escola às 7h30 em ponto. Ao chegar, João encontra Antônio e José, e juntos eles passam o dia em meio à estridentes horas de língua portuguesa, matemática e gritos de “Silêncio turma!”.

                Erik Johansson, mesma idade de João, acorda calmamente ouvindo a voz de sua mãe que calmamente prepara a refeição. Após o banho, Erik encontra seu pai e sua mãe à mesa para um longo e calmo café da manhã. Erik e sua mãe saem de bicicleta num bem arborizado trajeto de 25 minutos para chegar no horário. Ao chegar na escola, Erik encontra Astrid e Petri, e juntos navegam tranquilamente por aulas de língua sueca, língua inglesa, matemática, história, música e educação física.

                É bastante óbvio que a probabilidade do sueco Erik possuir um futuro econômico mais próspero que o brazuca João é bastante alta, e a diferença de qualidade entre as escolas tem um importante papel. Eu sei, eu sei. Assim como nas duas histórias, existem muitos fatores além do investimento em educação que afetariam o resultado final (afinal, a Suécia é um país muito mais rico, com população mais homogênea, extensão geográfica muito menor, infraestrutura sofisticada, etc), no entanto, a tamanho do impacto pode variar, mas não a direção.

                Sabemos que mesmo no Brasil, não são todas as escolas que caem aos pedaços, mas de forma geral, elas têm algo em comum: a baixa qualidade do serviço. Engana-se quem acha que o que falta é investimento. O Brasil gasta por estudante mais do que outros BRICS (para comparar maçãs com maçãs). O que faz então o ensino ter qualidade subótima? A forma de usar o dinheiro investido. O repasse direto às escolas visa garantir a educação “gratuita” à uma parcela da população, mas como é sabido, os resultados não são dos melhores.

                A educação na Suécia também é “gratuita”, mas a forma com que os recursos são alocados é ligeiramente diferente do que na terra da jabuticaba. Mais próximo ao polo norte, as famílias recebem um voucher de educação que garante ao estudante a possibilidade de matrícula em qualquer escola do país, seja ela pública, privada, ou um misto dos dois. Uma diferença sutil capaz de gerar impactos bem distintos.

                O voucher atinge bons resultados de duas formas: a primeira é que ele ajuda a reduzir a barreira financeira do acesso à boas escolas (apesar de não acabar com ela, já que a condição financeira está associada a morar em áreas melhores, que geram benefícios associados); a segunda é que para receber, as escolas teriam que competir em qualidade de ensino e, ao mesmo tempo, precisariam sinalizar para as pessoas que a sua escola é a melhor para João, ou seja, precisariam ter os melhores professores, forneceriam melhores estruturas; terceiro, facilitaria o surgimento de novas escolas em regiões desprovidas, uma vez que isso se tornaria uma opção de renda para um conjunto de moradores.

                Detalhes, dizem que é a residencia do Diabo, tanto do Diabo personificado quanto do diabo abstrato. Detalhes importam, e muito, cabe a nós importar o que bom.


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