sexta-feira, 24 de julho de 2020

Tédio com fritas, por favor

“O Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!

Ó Fantasma enfadonho!

És o sol negro, o criador, o gêmeo,

Velho irmão do meu sonho!”

                Assim termina o poema “Tédio” de Cruz e Sousa, um simbolista brasileiro que viveu e morreu em meio à tragédia. Entre almas sem rumo, sabor de sangue, e mudas epilepsias, ele descreve as angústias de alguém que se sente impotente perante as constantes da vida. Por meio de imagens mórbidas, da escuridão, do crepúsculo, o tédio é descrito como uma força implacável, imparável, e amorfa, que se apresenta de todas as formas.

                Lógico, as interpretações de um poema não são um uníssono, mas passada toda a sofisticação literária e posto de forma bastante simples, o tédio é indicativo de que nada de diferente está acontecendo na vida de alguém. Mas seria isso ruim? Depende. Irei classificar as possibilidades em três tipos, em geral, mutuamente excludentes.

                Primeiro, seu tédio advém de não estar fazendo absolutamente nada, indicando que existam poucas chances de você romper sua inércia, gerando uma sensação de vazio infindável. Segundo, o tédio assombra seus dias porquê você está fazendo a mesma coisa de sempre, mas sem objetivo, isto é, algo que te oferece uma sensação espúria de movimento e que não se converte em melhorias de nenhum modo. Terceiro, se você está comedido de tédio é porque está fazendo a mesma coisa de sempre, mas é algo que lhe servirá de meio para atingir algum objetivo previamente traçado.

                Antes de mais nada, o “fazer nada” tem o seu tempo e lugar. Após um longo dia de trabalho, ou após uma maratona de serviços voluntários ao ajudar um amigo com a mudança de casa, o ócio é quase que uma necessidade, no entanto, não está muito claro a forma como isso se converte em tédio. Estou tratando de um “fazer nada” que resulta nas imagens trazidas por Cruz e Sousa. A ociosidade e o falso movimento tendem a desacompanhar a percepção de recompensa, de forma que sua persistência apenas consome o indivíduo. Nesse sentido, as duas primeiras possibilidades tendem a ser primos próximos. Entretanto, não focarei tanto nestas duas.

                Quanto à terceira possibilidade, temos um importante elemento diferente. Para conseguir certo nível de proficiência em alguma habilidade, você precisa de prática, em outras palavras, repetição. Repetição é algo inerentemente chato do médio para o longo prazo, mas é o que lhe garantirá a tal proficiência (mesmo talentosos precisam exercitar o talento, senão serão apenas um eterno retrato do que poderia ter sido). Passado aquele pulso inicial de entusiasmo decorrente do turbilhão de novidades, é difícil não se entediar com a mesmice e o recém tornado ordinário.

                Caso tenha encontrado uma atividade em que isso não seja o caso, apenas aproveite! Mas caso contrário, a deveras muito utilizada expressão “força de vontade” tem que estar tatuada no subconsciente. Para casos assim, você precisa simplesmente se apaixonar pelo tédio, pois os ganhos que farão diferença serão justamente aqueles dos dias em que você não estava com a mínima vontade de treinar, mas foi assim mesmo.

                Portanto, saber identificar a fonte do tédio é um imperativo para saber o que fazer com ele. Cada uma delas possui os mesmos sintomas, mas o tratamento e a dosagem indicados é bastante diferente.

 


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