sábado, 4 de julho de 2020

Provar de um tudo?

             
              Certa vez, dialogando com uma jovem senhorita sobre o fato de eu ser declaradamente abstêmio, que na tentativa de me convencer a violar tal princípio, recorreu à reincidente interrogação “Como você vai saber se não gosta se não provar?”. Esse questionamento, muito recorrente, diga-se de passagem, me fez respondê-la com o outro questionamento “É preciso provar de um tudo?”, respondido com um nada hesitante “Sim”. Continuando o diálogo, lhe perguntei “Você gosta de assassinar e esquartejar pessoas?”, ela, visivelmente chocada disse “Não! Que horror!”, “Como você vai saber se não gosta se não provar?” perguntei de forma quase que retórica. Seu silêncio ensurdecedor foi a resposta.
            Em uma análise apressada, o “provar de um tudo” parece ser trivialmente aceitável e tentador o suficiente para ser essencialmente irrecusável. Apesar de um exemplo exagerado e bizarro, “assassinar e esquartejar” mostra que tal ideia claramente possui limites geralmente não explicitados no dia a dia. Deste modo, a pergunta chave é: como tornar seus limites explícitos? A resposta é, simplesmente, por meio de princípios.
            Posto de forma simples, princípios são conhecimentos abstratos que representam uma vasta gama de fatos concretos. Sem princípios estaríamos perdidos, tentando redescobrir tudo sobre tudo o tempo todo. Você consegue se imaginar “redescobrindo” a lei da gravidade toda vez que você deixar cair um objeto qualquer ao chão, ou quando tropeçar e por pouco evitar uma desconfortável cicatriz facial? A gravidade é um princípio de origem científica que nos permite compreender e lidar com uma ampla série de acontecimentos, sejam eles cotidianos ou não. Assim sendo, princípios possuem implicações bastante importantes na maneira como navegamos pelo mundo.
            Voltando ao diálogo inicial, minha interlocutora respondeu negativamente à ideia macabra sem perceber sua resposta foi balizada por princípios herdados, ou concebidos ao longo de sua vida, e que balizam diariamente suas ações e opiniões, permitindo que ela observe e interprete o mundo, sem precisar redescobrir a gravidade a todo instante.
            Existem várias formas através das quais esses princípios são adquiridos e desenvolvidos: religião, filosofia, ciência, experiências pessoais passadas, tradições familiares. Ao longo da vida, cada indivíduo seleciona princípios que possam lhe servir para guiar sua existência. Em contraponto, a ideia de experimentar de um tudo, se levada à risca, significa descartar completamente os princípios já estabelecidos, não oferecendo nada além de um caos existencial que torna a vivência não apenas incômoda, mas também impraticável. É ingênuo supor que todos os princípios sejam totalmente rígidos ou que nenhum deles deva ser testado, mas claramente uns são muito mais rígidos do que outros, e alguns, inclusive quase que atingindo status de verdades incontestáveis.
            Afinal, o que isso tudo tem a ver com economia? Quando se fala em economia, escassez é a nossa gravidade. Esse o princípio que fundamenta todo o pensamento científico e filosófico da disciplina. A maneira como nós enquanto pessoas lidamos com a escassez é o tema implícito em cada análise econômica. Ignorar esse princípio, assim como ignorar a gravidade, provou-se inúmeras vezes receita certa para o desastre. Lembre-se onde há escassez, há economia.

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