quinta-feira, 6 de agosto de 2020

É só uma questão de dinheiro?

                Seu João trabalha como vendedor numa livraria de sua cidade. Exceto em dias de resfriado severo, é o primeiro a chegar à loja (antes mesmo da gerente). Ele se dedica bastante ao ofício e, ao longo dos anos, desenvolveu bastante habilidade em organizar livros, atender o público, rearranjar prateleiras e gerir estoque. Apesar dos grandes esforços de seus donos, a livraria se vê em dificuldades e acaba por fechar as portas. Assim, João e outros doze funcionários perdem o emprego e se veem em uma situação complicada. Para amenizar a terrível notícia, João e os demais acionam o seguro desemprego.

                Por um determinado período, João recebe uma quantia em dinheiro para que possa passar alguns meses à procurar de outra atividade que possa lhe servir de renda. Com tamanha experiência na livraria, ele monta seu currículo baseado no conjunto de habilidades que ele desenvolveu, adicionando alguns outros cursos que fez por conta própria, ele vai à luta.

                A história do seu João é bastante pertinente para algo que estamos vivendo atualmente, a pandemia Covid-19. Nela, podemos distinguir dois problemas que são confundidos de forma bastante corriqueira: o problema econômico e o problema financeiro. Obviamente ambos estão conectados, no entanto, é importante distinguir para que se possa fazer um diagnóstico mais preciso da situação.

                Ao perder o emprego, João, em princípio, perde a possibilidade de produzir serviços que seriam úteis a outras pessoas. As possíveis curas para esse problema são potencialmente duas: ou João se realoca no mercado de trabalho em outra atividade; ou ele procura um emprego igual ou similar ao que já fazia na empresa anterior[1].

                Outro problema é que as contas não param de chegar. João precisa quitar as contas de cartão de crédito, de luz, de água, gás, e muito mais. Em outras palavras, ele tem compromissos financeiros que precisam ser honrados para que ele não fique deficitário, mas com a perda do emprego, o auxílio é sua única fonte de renda. A cura para isso é uma só: ter mais dinheiro.

                Podemos perceber então que o auxílio empregado por diversos governos mundo afora ameniza o problema financeiro, e tenta, mas não resolve o problema econômico. Aquilo que João poderia produzir caso estivesse em algum emprego, ou resolvesse empreender, não é produzido, portanto, são coisas a menos no mercado. Ao não atender um cliente, este poderá ficar sem o livro que precisa e não exercerá sua atividade, ou não desfrutará de uma leitura de lazer, portanto, estará mais pobre em termos de bem estar[2].

                Talvez o exemplo de um serviços seja menos intuitiva, mas pense que isso vale também para menos peças de roupa, produtos de higiene, ou combustível para usos diversos. Logicamente os efeitos não são sentidos em todos os setores ao mesmo tempo, inclusive alguns podem até ganhar com isso, mas no geral, o mundo está mais pobre não apenas por ter menos dinheiro, mas por ter menos coisas para consumir[3].

                Voltando finalmente ao Covid-19, a postura geral em realizar o lockdown mundo afora traz benefícios mas também traz custos. O benefício seria a frenagem da propagação do vírus e o colapso dos sistemas de saúde, e os custos são econômicos.Mas como vimos, a ajuda financeira não resolve o problema econômico, pois produtos e serviços deixaram e deixarão de ser criados, transportados, e vendidos. Portanto, quanto mais tempo o fechamento durar, menor o efeito da ajuda financeira sobre o problema econômico.

[1] Na história, todos os seus esforços estão sendo utilizados na distribuição de currículos e esporádicas entrevistas de emprego, mas poderia muito bem ser o caso de ele tentar se aventurar num empreendimento.

[2] A discussão envolve outras questões adjacentes como o chamado Efeito Substituição, que podem afetar mudar os resultados, mas dado que é apenas um exemplo, vamos desconsiderar tais complicações.

[3] É preciso ter em mente que consumo na abordagem econômica é um termo amplo, e pode ser utilizado em diversos contextos, até mesmo, como por exemplo, consumir tempo livre com a família, ou tempo para um hobby.


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