quinta-feira, 30 de julho de 2020

Felizes para sempre?

          “Você não é perfeito, ela tampouco. Mas a questão é saber se vocês são perfeitos um para o outro” essa frase é uma adaptação do que foi dito por Sean Maguire, o psicólogo que ajuda Will Hunting em Um Gênio Indomável[1], ao saber da relação de Will com a jovem Skylar. Apoiando essa ideia, ao longo do filme, o psicólogo revela várias facetas do seu relacionamento com sua falecida esposa, desde o momento em que se conheceram, passando por diversos fatos aleatórios, até relatar seus últimos momentos juntos. Com as histórias, Maguire deixa claro para Will que ele e sua esposa construíram uma narrativa juntos, até o ponto em que seria impossível entender cada uma de suas vidas sem a presença um do outro.

            Ninguém é perfeito, é verdade, mas com tantas pessoas neste mundo, a verdade é que provavelmente existe por aí outra pessoa que é perfeita pra você e você para ela. Todos os atributos nas listas de desejo de ambos seriam mutuamente satisfeitos e vocês viveriam felizes para sempre. Mas a realidade é bastante cruel. É preciso aceitar que as chances de vocês se encontrarem no exato momento em que estão dispostos a se “amarrar” a alguém não é impossível, mas é altamente improvável.

          Se a realidade não é dura o suficiente, os economistas só pioram as coisas ao tentarem entender o mundo e as decisões das pessoas baseadas na insensível análise de custo-benefício, e é justamente o que será feito aqui.

            Ao decidir continuar a procura pelo par perfeito, o benefício, obviamente, é o de justamente encontrá-lo e viver a vida dos sonhos, enquanto que os custos podem ser sintetizados no chamado custo de procura, que cabe um pouco mais de detalhe. Ao decidir continuar a busca, você está, sobretudo, na mira do relógio biológico, que afeta, entre outras coisas, a possibilidade de ter filhos e o seu valor nos mercados de beleza e saúde. Você também incorre no custo de solidão, isto é, você está deixando de produzir a narrativa da sua vida ao lado de alguém. Também, outro ponto é o risco de dispensar bons potenciais candidatos em troca de outros não tão bons. Por fim, você precisa investir tempo, dedicação e finanças em conhecer outras pessoas.

          Por outro lado, ao decidir deixar a procura e se estabelecer com alguém, você terá os benefícios de aproveitar o relógio biológico, de ter mais tempo para cultivar uma narrativa, e terá alguém para “curar” sua solidão. Os custos da união são os de possivelmente encontrar o tal par perfeito e não poder se relacionar com ele, ou de futuramente encontrar alguém que você considere mais compatível com suas preferências quando comparado com o par escolhido.[2]

          Então a pergunta essencial que afeta o problema de encontrar o par perfeito é: quando parar de procurar este alguém perfeito e aceitar alguém menos que perfeito?

            O dilema é excruciante, mas nem tudo está perdido. Assim como Sean Maguire em dado momento do filme diz “eu conhecia cada idiossincrasia dela, e ela, as minhas, e é isso que a tornou minha esposa” podemos fazer uma analogia com o conceito econômico chamado capital humano específico de uma firma. Posto de forma reduzida, o conceito diz que quando um bom empregado trabalha muito tempo numa única firma e conhece cada pequeno detalhe dela, ele se torna muito mais valioso para esta firma do que para qualquer outra, e vice-versa. Portanto, ao usar esta ideia, o objetivo não é mais encontrar o par perfeito, mas sim alguém bom o suficiente para que, ao longo do tempo, vocês se tornem as melhores opções possíveis um para o outro.



[1] Good Will Hunting, no original.

[2] Seja por decidir continuar a busca ou por estabelecer-se, é óbvio que existem outros fatores mais detalhados que podem influenciar a escolha, mas para evitar que o texto se torne um tratado, eles não serão considerados.


sexta-feira, 24 de julho de 2020

Tédio com fritas, por favor

“O Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!

Ó Fantasma enfadonho!

És o sol negro, o criador, o gêmeo,

Velho irmão do meu sonho!”

                Assim termina o poema “Tédio” de Cruz e Sousa, um simbolista brasileiro que viveu e morreu em meio à tragédia. Entre almas sem rumo, sabor de sangue, e mudas epilepsias, ele descreve as angústias de alguém que se sente impotente perante as constantes da vida. Por meio de imagens mórbidas, da escuridão, do crepúsculo, o tédio é descrito como uma força implacável, imparável, e amorfa, que se apresenta de todas as formas.

                Lógico, as interpretações de um poema não são um uníssono, mas passada toda a sofisticação literária e posto de forma bastante simples, o tédio é indicativo de que nada de diferente está acontecendo na vida de alguém. Mas seria isso ruim? Depende. Irei classificar as possibilidades em três tipos, em geral, mutuamente excludentes.

                Primeiro, seu tédio advém de não estar fazendo absolutamente nada, indicando que existam poucas chances de você romper sua inércia, gerando uma sensação de vazio infindável. Segundo, o tédio assombra seus dias porquê você está fazendo a mesma coisa de sempre, mas sem objetivo, isto é, algo que te oferece uma sensação espúria de movimento e que não se converte em melhorias de nenhum modo. Terceiro, se você está comedido de tédio é porque está fazendo a mesma coisa de sempre, mas é algo que lhe servirá de meio para atingir algum objetivo previamente traçado.

                Antes de mais nada, o “fazer nada” tem o seu tempo e lugar. Após um longo dia de trabalho, ou após uma maratona de serviços voluntários ao ajudar um amigo com a mudança de casa, o ócio é quase que uma necessidade, no entanto, não está muito claro a forma como isso se converte em tédio. Estou tratando de um “fazer nada” que resulta nas imagens trazidas por Cruz e Sousa. A ociosidade e o falso movimento tendem a desacompanhar a percepção de recompensa, de forma que sua persistência apenas consome o indivíduo. Nesse sentido, as duas primeiras possibilidades tendem a ser primos próximos. Entretanto, não focarei tanto nestas duas.

                Quanto à terceira possibilidade, temos um importante elemento diferente. Para conseguir certo nível de proficiência em alguma habilidade, você precisa de prática, em outras palavras, repetição. Repetição é algo inerentemente chato do médio para o longo prazo, mas é o que lhe garantirá a tal proficiência (mesmo talentosos precisam exercitar o talento, senão serão apenas um eterno retrato do que poderia ter sido). Passado aquele pulso inicial de entusiasmo decorrente do turbilhão de novidades, é difícil não se entediar com a mesmice e o recém tornado ordinário.

                Caso tenha encontrado uma atividade em que isso não seja o caso, apenas aproveite! Mas caso contrário, a deveras muito utilizada expressão “força de vontade” tem que estar tatuada no subconsciente. Para casos assim, você precisa simplesmente se apaixonar pelo tédio, pois os ganhos que farão diferença serão justamente aqueles dos dias em que você não estava com a mínima vontade de treinar, mas foi assim mesmo.

                Portanto, saber identificar a fonte do tédio é um imperativo para saber o que fazer com ele. Cada uma delas possui os mesmos sintomas, mas o tratamento e a dosagem indicados é bastante diferente.

 


segunda-feira, 13 de julho de 2020

Se for engraçado, é lucro: Numa galáxia muito distante...

Nos desenlaces de uma guerra intergalática entre as raças alienígenas dos NUMBERS e sos LETTERS, numa dada batalha os lados estavam recusando se expor, e não era possível matar ninguém. Até que um NUMBER teve uma ideia: Ele pensou “todo LETTER adora literatura”, então eles emitiriam um sinal com alguma coisa literária e logo que os LETTERS aparecessem, eles matariam a todos. Então, o NUMBER enviou:

- Na minha terra tem palmeira...!!!

Uma grande quantidade de naves LETTER apareceu dizendo “onde canta o sabiá” e os NUMBERS destruíram todos!

Os LETTERS, vendo que metade do exército tinha morrido resolveu revidar. Pensaram: "Tudo quanto é NUMBER adora matemática". Então enviaram:

- Número real logaritmo de menos 1?!?!?!?

Simplesmente o batalhão inteiro dos NUMBERS apareceu e enviou:

- Não existe!!!

E os LETTERS responderam:

- Ah, se existisse...

 


Moral da história: ideias são interessantes pois o fato de uma pessoa usá-la não impossibilita outra de também usá-la (bens não rivais, em economês), o que permite sua rápida disseminação de forma a elevar o estoque de conhecimento com um mínimo de custo. No entanto, é preciso que aqueles que forem usar dada ideia tenham o mínimo de preparo para absorvê-la e a capacidade de implantá-la. Assim como uma pessoa que não estudou inglês não poderá se beneficiar totalmente de um material específico nesta língua, os LETTERS não compreenderam totalmente o uso da isca e não se aproveitaram ao máximo da estratégia (logicamente trata-se de um exagero, mas entenderam a ideia).


Se for engraçado, é lucro: Fujão

Dois amigos saem para caçar nas florestas canadenses e tentar garantir o alimento para si e para suas famílias. Não muito após saírem de suas casas portando seus rifles, os dois amigos são surpreendidos por um Grizzly Bear, uma das espécies de urso mais agressivas do bioma em que habitam. Rapidamente os amigos percebem que a munição que traziam consigo não seria suficientemente capaz de para o urso.

Nesse momento, a resposta Fight-Flight dos amigos é bastante diferente: enquanto um dos amigos se vê completamente paralisado pela situação, o outro rapidamente começa a correr como se não houvesse amanhã (o que poderia muito bem ser o caso).

Amigo 1: É inútil! Você não consegue correr mais que um urso!

Amigo 2: Eu sei! Mas eu consigo correr mais que você!

 

Moral da história: na maioria dos conflitos, o grande objetivo não é tornar impossível o que a outra pessoa deseja, mas sim torná-la algo não lucrativo. Por mais que seja possível para o urso alcançar qualquer um dos amigos, ao correr, um deles tornou sua perseguição não lucrativa para o urso ao aumentar os custos da caça.

 


domingo, 12 de julho de 2020

Eu sou a (próxima) lenda!

                Anualmente, em todo mês de junho (exceto em períodos de pandemia), acontece o NBA Draft. Trata-se de um evento no qual os times da NBA escolhem jogadores de fora da liga para compor seus times. Este evento marca a possível ascensão ao estrelado para dezenas de jovens jogadores que decidem tentar um futuro na maior e melhor liga de basquete do mundo. Para as equipes, o evento representa a escolha de possíveis rostos a serem estampados em outdoors, de propulsores de venda de camisas mundo afora, de personagens que motivam a cobrança de ingressos com preços estratosféricos. Mas lógico, tais rostos serão pagos somas “obscenas” em salários.

                Os fatores que tornam um rapaz uma estrela do basquete podem até ser fáceis de enumerar, mas são igualmente fáceis de se identificar em um indivíduo específico sem a convivência e o tempo necessários para conhecê-lo. Não são raros os casos em que abusos de drogas, problemas psicológicos, crimes, perda de motivação, problemas de temperamento e personalidade, e casos de doping que ocorrem ao longo da carreira de um jogador. Portanto, os times precisam criar mecanismos para identificar tais atributos, e diferenciar uma estrela em potencial de um jogador para composição de elenco.

                Cada indivíduo possui atributos favorecem ou não a excelência no basquete. Para organizar o raciocínio, vamos dividi-los em dois grupos: os fatores individuais que têm pouca ou nenhuma maneira de serem manipulados pelos atletas, tais como etnia, sexo, altura e envergadura são chamados de índices; e os outros que são mais suscetíveis à manipulação como personalidade, motivação, e habilidades são chamados de sinais. Apesar de os índices serem importantes, são os sinais que vão influenciar de maneira mais marcante, jogo após jogo, se o atleta fará aparições constantes no time em quadra, ou se esquentará o banco. O problema é quando saber se um sinal reflete performances de uma lenda do esporte, ou quando se trata de uma manipulação sutil para parecer melhor do que se é.

                Na tentativa de decodificar os sinais enviados pelos atletas o mais rápido possível, os times contratam profissionais muito bem pagos, os chamados scouts, que tentam continuamente decifrar esse enigma. Os jogadores se apresentam para fazer uma bateria de testes físicos, de testes de habilidades, e participam de jogos de pré-temporada, tudo de forma a sinalizar sua competência se tornarem “a cara” do time.

                Mas apesar de seus esforços, as reais capacidades dos atletas só serão observadas quando a bola subir em um jogo oficial. Após cada jogo, de acordo com a performance do escolhido, as expectativas dos seus chefes são adaptadas de forma a refletirem seu desempenho, pois eles acumularão mais informação sobre os atletas. Assim, dependendo dos acontecimentos, as equipes ajustarão os salários oferecidos ao jogador conforme suas habilidades vão sendo reveladas.

                Assim, a forma com que os jogadores decidem apresentar as informações sobre si podem afetar decisivamente a escolha de um time numa noite de junho, e por conseguinte, definir o rumo de suas carreiras quase que para sempre. A ideia econômica aqui é justamente a da sinalização, que é utilizada pelas pessoas para criar formas de diferenciarem das demais e indicar suas aptidões, preferências e intenções.


sábado, 11 de julho de 2020

Detalhes, porque detalhes importam

                    O deveras pesado sono de João Augusto da Silva é interrompido por uma voz amiga. Sua mãe, entre cozinhar e passar e limpar a mesa da cozinha, grita “Acorda pra se arrumar! Senão vai se atrasar pra escola!”. Numa sonolência cambaleante, João se dirige ao banheiro , afinal, são 5 da manhã. Na correria, João precisa engolir o café, fazer alguns minutos de caminhada, e pegar um ônibus de uma hora e meia de trajeto para estar na escola às 7h30 em ponto. Ao chegar, João encontra Antônio e José, e juntos eles passam o dia em meio à estridentes horas de língua portuguesa, matemática e gritos de “Silêncio turma!”.

                Erik Johansson, mesma idade de João, acorda calmamente ouvindo a voz de sua mãe que calmamente prepara a refeição. Após o banho, Erik encontra seu pai e sua mãe à mesa para um longo e calmo café da manhã. Erik e sua mãe saem de bicicleta num bem arborizado trajeto de 25 minutos para chegar no horário. Ao chegar na escola, Erik encontra Astrid e Petri, e juntos navegam tranquilamente por aulas de língua sueca, língua inglesa, matemática, história, música e educação física.

                É bastante óbvio que a probabilidade do sueco Erik possuir um futuro econômico mais próspero que o brazuca João é bastante alta, e a diferença de qualidade entre as escolas tem um importante papel. Eu sei, eu sei. Assim como nas duas histórias, existem muitos fatores além do investimento em educação que afetariam o resultado final (afinal, a Suécia é um país muito mais rico, com população mais homogênea, extensão geográfica muito menor, infraestrutura sofisticada, etc), no entanto, a tamanho do impacto pode variar, mas não a direção.

                Sabemos que mesmo no Brasil, não são todas as escolas que caem aos pedaços, mas de forma geral, elas têm algo em comum: a baixa qualidade do serviço. Engana-se quem acha que o que falta é investimento. O Brasil gasta por estudante mais do que outros BRICS (para comparar maçãs com maçãs). O que faz então o ensino ter qualidade subótima? A forma de usar o dinheiro investido. O repasse direto às escolas visa garantir a educação “gratuita” à uma parcela da população, mas como é sabido, os resultados não são dos melhores.

                A educação na Suécia também é “gratuita”, mas a forma com que os recursos são alocados é ligeiramente diferente do que na terra da jabuticaba. Mais próximo ao polo norte, as famílias recebem um voucher de educação que garante ao estudante a possibilidade de matrícula em qualquer escola do país, seja ela pública, privada, ou um misto dos dois. Uma diferença sutil capaz de gerar impactos bem distintos.

                O voucher atinge bons resultados de duas formas: a primeira é que ele ajuda a reduzir a barreira financeira do acesso à boas escolas (apesar de não acabar com ela, já que a condição financeira está associada a morar em áreas melhores, que geram benefícios associados); a segunda é que para receber, as escolas teriam que competir em qualidade de ensino e, ao mesmo tempo, precisariam sinalizar para as pessoas que a sua escola é a melhor para João, ou seja, precisariam ter os melhores professores, forneceriam melhores estruturas; terceiro, facilitaria o surgimento de novas escolas em regiões desprovidas, uma vez que isso se tornaria uma opção de renda para um conjunto de moradores.

                Detalhes, dizem que é a residencia do Diabo, tanto do Diabo personificado quanto do diabo abstrato. Detalhes importam, e muito, cabe a nós importar o que bom.


segunda-feira, 6 de julho de 2020

Se for engraçado, é lucro: Assalto à banco

Faroeste americano, século XIX. Juan era acusado de cometer um assalto à banco em uma pequena cidade texana que faz fronteira com o México.

Um pequeno grupo de policiais então segue as pistas deixadas e chega até uma cidade mexicana fronteiriça. Após horas, finalmente o grupo encontra e encurrala Juan em um bar da cidade.

O grupo então descobre que Juan não fala inglês, e por isso, se veem numa situação complicada. Então, um dos clientes do bar, com um sotaque bastante marcante, informa que poderia fazer a tradução.

O líder grupo então exclama:

- Pergunte a ele aonde está o dinheiro!

Tradução feita, Juan responde:

- Diga a eles que jamais falarei!

Tradução feita, o policial retira sua arma e aponta para Juan:

- Diga que se ele não disser aonde está o dinheiro, ele morre.

Tradução feita, Juan totalmente amedrontado e trêmulo diz:

- Eu deixei escondido na ponte, à beira do rio.

O tradutor então diz:

- Juan disse que não tem medo de morrer.

 

Moral da história: Ao ser o único a saber aonde estava o dinheiro, e sabendo que os policiais provavelmente matariam Juan, o tradutor possuía grandes incentivos a mentir aos policias e fazer o mínimo de esforço para buscar o dinheiro. Isso ilustra a ideia da compatibilidade de incentivos. Para um determinado sistema econômico funcionar, é preciso que agir de forma a fazer o sistema funcionar esteja no interesse das pessoas envolvidas. Resumidamente, incentivos são motivadores de ação, podendo ser cultural, financeiro, filosófico, emocional, etc. Entender os incentivos em dada situação é essencial para uma boa análise econômica. 


sábado, 4 de julho de 2020

Um breve guia sobre como ouvir música

                Você gosta de música? Na verdade, esta é uma pergunta um tanto tola. Talvez uma mais apropriada seja: quem não gosta de música? Mas diga, como você ouve música? Você simplesmente coloca o fone de ouvido e reage aleatoriamente? Gostaria de ter uma nova experiência ao ouvir aquela música que te fez chorar tantas e tantas vezes? Este pequeno guia te mostrará como. (Esse parágrafo está deveras parecendo uma propaganda de vendas)

                Apesar de todos se identificarem com algum estilo musical, em geral, as pessoas não procuram ouvir uma música de forma sistemática. O principal receio de se ouvir analisando uma música é o de que, de alguma forma, a pessoa se tornaria um autômato insensível, sem qualquer conexão sentimental com a música. Isso é verdade, pelo menos no começo da jornada. Mas lembre-se que qualquer habilidade precisa ser desenvolvida com paciência e persistência até que você não precise mais pensar no que está fazendo, apenas agir de forma automática e intuitiva.

                O primeiro passo da jornada é repartir a música em quatro pedaços: ritmo, melodia, harmonia e timbre. Ao dividir para conquistar, conseguimos observar os detalhes de cada elemento sem sermos soterrados pela avalanche informações encontradas em uma peça musical.

                De maneira simples, o ritmo é a sequência com que os sons são produzidos ao longo do tempo; a melodia é a execução sequencial de notas musicais individuais; a harmonia é a execução sequencial de notas musicais em conjunto[1]; e o timbre é o colorido do som que é produzido. Cada um desses conceitos têm versões mais sofisticadas dentro do estudo da música, mas isso é irrelevante para o nosso objetivo. A seguir, estão as dicas para o desenvolvimento da percepção de cada elemento.

                Ritmo: o primeiro passo para dominar a noção de ritmo é prestar a atenção nos instrumentos que conduzem a percussão da música. Mais usualmente, instrumentos como a bateria e o contrabaixo exercem esta função. No entanto, dependendo ou do estilo ou de uma música específica, qualquer outro instrumento pode assumir esse papel. O segundo passo é estabelecer um pulso em intervalos constantes de tempo, reagindo à pulsação da música (pode também contar 1,2,3,4), para isso, imagine o movimento de um ponteiro que marca os segundos em relógio, essa é a sensação de um pulso em intervalos constantes.

                Melodia: o primeiro passo é identificar o instrumento que está executando a melodia principal da música, no caso de canções, obviamente, quem conduz a melodia principal é a voz, mas este não é o caso em músicas instrumentais, portanto, procure observar qual instrumento se destaca. Segundo, preste a atenção nos movimentos da melodia, isto é, se ela permaneceu (mesma nota), subiu (ida para uma nota mais aguda), ou desceu (ida para uma nota mais grave). A dica essencial é tentar cantar as notas, mesmo que não seja totalmente afinado, isso te dará noção de movimento requerida.

                Harmonia: a primeira dica é identificar se os sons trazem a sensação de tranquilidade, paz, e sossego (sons consonantes), ou se provocam a sensação de choque, perturbação, e desconforto (sons dissonantes). O segundo passo é tentar identificar quais emoções o conjunto de notas te desperta. Tente começar com alegria e tristeza, ajudará sua evolução no início.

                Timbre: nesse elemento, o passo mais produtivo é realizar o exercício de ouvir e tentar comparar as suas ou os seus dois cantores favoritos. Perceberá que mesmo executando a mesma nota musical, a qualidade do som é diferente, uns têm a voz mais “brilhosa” e outros a voz mais “escura”, uns tem a voz mais “limpa”, outros tem uma voz mais “áspera”. Após adquirir mais familiaridade, você conseguirá aplicar essa ideia aos demais instrumentos.

                Ao tentar incorporar esses novos super poderes às suas experiências musicais, você conseguirá identificar sons, descrever sentimentos, e lógico, impressionar os amigos.

 



[1] O termo harmonia pode também ser entendido como o estudo de notas, acordes e escalas. No entanto, consideraremos a definição expressa no corpo do texto.


Provar de um tudo?

             
              Certa vez, dialogando com uma jovem senhorita sobre o fato de eu ser declaradamente abstêmio, que na tentativa de me convencer a violar tal princípio, recorreu à reincidente interrogação “Como você vai saber se não gosta se não provar?”. Esse questionamento, muito recorrente, diga-se de passagem, me fez respondê-la com o outro questionamento “É preciso provar de um tudo?”, respondido com um nada hesitante “Sim”. Continuando o diálogo, lhe perguntei “Você gosta de assassinar e esquartejar pessoas?”, ela, visivelmente chocada disse “Não! Que horror!”, “Como você vai saber se não gosta se não provar?” perguntei de forma quase que retórica. Seu silêncio ensurdecedor foi a resposta.
            Em uma análise apressada, o “provar de um tudo” parece ser trivialmente aceitável e tentador o suficiente para ser essencialmente irrecusável. Apesar de um exemplo exagerado e bizarro, “assassinar e esquartejar” mostra que tal ideia claramente possui limites geralmente não explicitados no dia a dia. Deste modo, a pergunta chave é: como tornar seus limites explícitos? A resposta é, simplesmente, por meio de princípios.
            Posto de forma simples, princípios são conhecimentos abstratos que representam uma vasta gama de fatos concretos. Sem princípios estaríamos perdidos, tentando redescobrir tudo sobre tudo o tempo todo. Você consegue se imaginar “redescobrindo” a lei da gravidade toda vez que você deixar cair um objeto qualquer ao chão, ou quando tropeçar e por pouco evitar uma desconfortável cicatriz facial? A gravidade é um princípio de origem científica que nos permite compreender e lidar com uma ampla série de acontecimentos, sejam eles cotidianos ou não. Assim sendo, princípios possuem implicações bastante importantes na maneira como navegamos pelo mundo.
            Voltando ao diálogo inicial, minha interlocutora respondeu negativamente à ideia macabra sem perceber sua resposta foi balizada por princípios herdados, ou concebidos ao longo de sua vida, e que balizam diariamente suas ações e opiniões, permitindo que ela observe e interprete o mundo, sem precisar redescobrir a gravidade a todo instante.
            Existem várias formas através das quais esses princípios são adquiridos e desenvolvidos: religião, filosofia, ciência, experiências pessoais passadas, tradições familiares. Ao longo da vida, cada indivíduo seleciona princípios que possam lhe servir para guiar sua existência. Em contraponto, a ideia de experimentar de um tudo, se levada à risca, significa descartar completamente os princípios já estabelecidos, não oferecendo nada além de um caos existencial que torna a vivência não apenas incômoda, mas também impraticável. É ingênuo supor que todos os princípios sejam totalmente rígidos ou que nenhum deles deva ser testado, mas claramente uns são muito mais rígidos do que outros, e alguns, inclusive quase que atingindo status de verdades incontestáveis.
            Afinal, o que isso tudo tem a ver com economia? Quando se fala em economia, escassez é a nossa gravidade. Esse o princípio que fundamenta todo o pensamento científico e filosófico da disciplina. A maneira como nós enquanto pessoas lidamos com a escassez é o tema implícito em cada análise econômica. Ignorar esse princípio, assim como ignorar a gravidade, provou-se inúmeras vezes receita certa para o desastre. Lembre-se onde há escassez, há economia.