sábado, 15 de maio de 2021

O mundo inteiro é um palco

          A pandemia chegou e com ela vieram as diversas medidas de isolamento social. Tais medidas implicaram que nenhum evento que permitisse a aglomeração física de pessoas fosse permitido por lei. Assim, com a suspensão de shows, peças de teatro, salas de cinema, exposições de arte e um grande número de outros eventos socioculturais, não é surpresa que o ramo do entretenimento como um todo sentiu bastante os efeitos deletérios da pandemia.

                Mas para a surpresa de muitos, apesar da pandemia, a indústria da música teve uma receita recorde de 21,6 bilhões de dólares em 2020 mundo afora, 7,4% maior que em 2019. Sabemos muito bem que o impacto econômico total e o resultado financeiro de uma indústria não são números diretamente comparáveis, mas ainda assim, trata-se de um feito bastante significativo. Como será que isso foi possível?

                Em economia, quando o preço de um produto ou serviço aumenta, as pessoas tendem a recorrer aos chamados substituto que, dentro da cesta de consumo da pessoa, são mercadorias que exercem função igual ou similar ao produto cujo preço aumentou. O mesmo fenômeno pode ocorrer quando um produto ou serviço deixa de estar disponível no mercado. No cenário pandêmico, quando falamos de entretenimento, as opções virtuais substituíram as opções reais.

                Ao invés de aglomerar-se em concertos musicais e bares com música ao vivo, as pessoas passaram a assistir às famosas Lives e/ou usar plataformas que contém um acervo de músicas. Também, o escuro do cinema e a mágicas cortinas de teatros deram lugar à perdição na reprodução automática de filmes e seriados que se estendem por diversas temporadas.

                Se você nasceu até o início deste milênio, deve se lembrar de quando precisava necessariamente alugar, emprestar ou comprar uma fita VHS, DVD ou Blu-ray para assistir a um filme (e depois de assistir, rebobinar), ou comprar um CD ou LP para ouvir ao seu artista favorito sem sair de casa. No entanto, o surgimento de novas tecnologias permite que hoje isso seja realizado sem que mesmo seja necessário sair de casa, através dos serviços de streaming.

                Em resumo, streaming se referre a um conjunto de serviços de mídia no qual o usuário não precisa realizar o download ou portar fisicamente os arquivos que deseja consumir. Além disso, alguns dos ofertantes desses serviços permitem que o usuário tenha acesso a todo um acervo de produtos. Em geral, para ter acesso a esses serviços, basta ter acesso à internet em um dispositivo e um contrato de assinatura com a plataforma. Netflix, Amazon Prime, no ramo de vídeo, e Spotify e Deezer na música, e o próprio Youtube como um misto entre os os dois, são alguns exemplos de serviços de streaming que você já deve conhecer.

                Especificamente no mundo da música, o streaming foi responsável por 62% das receitas em 2020. Isso na verdade reflete uma tendência que já vem se materializando há pelo menos sete anos, mas mostra que a realocação de recursos em direção a novos avanços tecnológicos pode manter um mercado em operação até mesmo durante um período tão negativamente atípico.

                Obviamente, nem tudo são flores. É preciso lembrar que existem múltiplos atores no lado da oferta deste mercado, e que a expansão do formato de streaming não produz ganhos de forma homogênea entre artistas, gravadoras, produtores de eventos e plataformas de streaming, tampouco entre os integrantes de cada uma dessas categorias.

                Como um exemplo, as receitas do Spotify advém principalmente da venda de assinaturas premium e propaganda, e para manter seu acervo e ofertar seus serviços, a empresa precisa pagar bilhões de dólares em direitos autorais. Apesar dessa imensa soma no agregado, Spotify paga cerca de três quartos de um centavo de dólar por cada reprodução às gravadoras, e cerca de um quarto para os artistas. Para tornar a situação ainda mais complexa, apesar de um número recorde de novos assinantes, Spotify reportou um prejuízo líquido de 581 milhões de euros ao final de 2020.

                Percebemos então que o futuro do streaming no mundo da música ainda é incerto, mas já houve um grande impacto na forma como a experimentamos a música, e ajudou um imenso número de pessoas ao redor do mundo a navegarem pelos tempos desafiadores que estamos vivendo.

 


domingo, 14 de março de 2021

É hora do Show

                “A commodity mais preciosa é a informação”, fala que motiva as ações do multimilionário Gordon Gekko, personagem icônico do filme Wall Street, que na trama, possui o hábito de buscar informações privilegiadas em relação ao mercado para obter lucros quase certos (conhecida como arbitragem no mundo das finanças). Na tentativa desesperada de ganhar a atenção e possivelmente fechar um acordo de negócios com Gekko, Budd Fox, um corretor do mercado de ações, revela um segredo sobre a empresa aérea Bluestar, empresa na qual seu pai dedicou toda uma vida profissional como mecânico.

                Apesar de o filme suscitar muitos assuntos interessantes passíveis de discussão, vou me debruçar sobre sobre o último fato destacado no parágrafo anterior: o fato de o pai de Bud Fox haver preservado uma longa carreira em uma única empresa.

                Muito comum durante o século XX, sobretudo entre a geração apelidada de baby boomers (pessoas nascidas entre 1946 e 1964). Escolher uma empresa, jurar fidelidade e tentar galgar posições cada vez mais elevadas dentro dela era a receita para o sucesso no mercado de trabalho para aqueles que desejavam se posicionar como ofertantes de mão de obra.

                De fato, esta estratégia não deixou de ser válida completamente, no entanto, fatores como avanços tecnológicos, diminuição das barreiras à mobilidade, mudança de perfil e objetivos de vida estão desencadeando uma reversão nessa tendência. Mais especificamente, não me refiro à leadade das pessoas em relação ao emprego ou à empresa em que trabalham, mas sim o fato de dedicarem uma vida inteira à ela. A chamada Gig Economy é que está se tornando cada vez mais comum. O termo Gig vem justamente da analogia utilizada pelos atuantes no setor de entretenimento musical, caracterizados por serem majoritariamente demandados para serviços específicos e que podem ou não gerar um vínculo duradouro.

                Imagine, por exemplo, que você toca bateria em uma banda cujo repertório vai do pop contemporâneo ao sertanejo. Vocês podem tanto ser contratados para uma série de shows de bailes por uma empresa de formatura ou podem ser chamados por um determinado bar que deseja incorporar música ao vivo às suas noites, mas em nenhum momento vocês têm um acordo de exclusividade com a empresa de formaturas tampouco com os bares exceto para realizar as apresentações combinadas. Cada um desses shows é chamado de Gig.

                Outro termo bastante utilizado para a Gig economy é a uberização, em referência ao estilo de trabalho dos colaboradores (como assim são chamados pela Uber) que fazem o serviço de carona por meio de aplicativos. Usando como base a Uber, e sabendo que os habitantes de cada vez mais cidades no mundo obtiveram um grande ganho de bem-estar e passaram a se acostumar com ele, talvez seja seguro dizer que realizar Gigs seja uma tendência real e impactante, pelo menos até que outro terremoto no mercado de trabalho aconteça.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Isso é um absurdo!

             “Os ricos deste país precisam dar sua contribuição, pagar mais impostos, doar para caridade. Nós da classe média precisamos lutar contra esses exploradores que passam o dia em seus iates e ficam viajando pra Paris em cada feriado prolongado. É preciso que o governo crie políticas pra evitar que essas pessoas enriqueçam tanto. É um absurdo!”.

            As palavras foram ditas por uma pessoa que conta com salários mensais de quinze mil reais. O fato é que essa pessoa ocupa o percentil noventa e nove do Brasil em termos salariais, isto é, num português direto: ele é mais rico do que noventa e nove por cento da população brasileira. Para se ter uma ideia, o percentil cinquenta é de aproximadamente mil reais, isto é, uma pessoa que recebe aproximadamente mil reais de salário é tão ou mais rico que metade da população, e tão ou mais pobre que a outra metade. Para deixar a ideia um pouco mais observável na prática, em termos de probabilidade, se você mora em um apartamento em uma metrópole ou capital do país, olhe para o porteiro do seu prédio, ele é classe média, você não.

            Apesar de todos termos o direito à indignação, e de que não seja nada saudável invalidar o sentimento das pessoas, um pouco de conhecimento dos fatos não faria mal à saúde. Por um lado, a indignação nos ajuda a identificar, de maneira intuitiva, possíveis irregularidades na maneira de condução da sociedade. Em cada momento que vemos pessoas habitando as ruas, dormindo ao relento, sem amparo e sem esperança, o sentimento vem à tona toda e isso pode motivar ações que contribuam com a vida de outras pessoas. Portanto, não há problema em agir baseado na indignação na esfera pessoal em momentos específicos, mas quando tratamos de políticas públicas, a indignação não pode ser a única, tampouco a principal ferramenta na tomada de decisão.

           Por ser carregado de conteúdo emocional, o puro senso de indignação aplicado à política pública possui sérias ressalvas, e muitas as vezes, os efeitos negativos podem persistir por gerações.

             O primeiro problema trata-se dos vieses cognitivos, que são padrões sistemáticos de julgamento que ferem a lógica e a racionalidade. Um grande exemplo de viés é o de que tendemos a prestar muito mais a atenção em coisas que comprovam nosso ponto de vista do que em evidências do contrário, mesmo quanto estas últimas são muito mais abundantes (o chamado viés de confirmação). No exemplo da fala do nosso camarada, o viés impede que ele perceba que ele faz parte do grupo que ele mesmo atacou tão enfaticamente.

             Outra questão se refere ao fato de que, no ato de indignação geralmente temos um rosto bem definido (seja o nosso próprio, o de parentes próximos ou da pessoa que habita as ruas), e quando isso ocorre, ao propor uma solução não estamos enxergando as preferências daqueles sem um rosto. Como exemplo, temos a famosa greve dos caminhoneiros de 2018 que assolou o país. No caso, as lideranças do movimento estavam sempre em evidência na mídia mostrando todas as suas dificuldades e exigências, mas em contrapartida, aqueles que pagariam a conta (os demais brasileiros como um todo) não tinham um rosto para comover e mobilizar as ações em seu favor, e assim se tornaram muito mais facilmente manobráveis em carregar o fardo.

              Além desses problemas graves o suficiente, a indignação aumenta o risco de você inflar seu ego, ou seja, de se considerar moralmente superior àqueles que “não enxergam os problemas mais graves da sociedade, que eu, ser hábil e perspicaz estou vendo com meus próprios olhos neste momento“. Uma vez que raramente a indignação resulta na busca da total compreensão objetiva da situação, esse é um caso clássico de sobreposição das preferências individuais sobre as das demais pessoas, num verdadeiro show de “eu não gosto disso, portanto ninguém deveria fazer, logo, o governo deveria aprovar uma lei contra”.

              Pois bem. Conhecendo os limites da nossa indignação, o que fazer? Infelizmente os remédios são tão amargos quanto necessários. No âmbito da produção de fatos, a melhor resposta para esses problemas é a tal da ciência, que, como toda criação humana é imperfeita por definição, mas ainda assim boa o suficiente para oferecer boas decisões em um mundo tão complexo. No campo da moral e da ética o consenso é muito mais improvável, pois seja através da filosofia, da religião ou dos costumes, estamos no campo em que as subjetividades individuais imperam, e talvez seja essencial um pouco de todas as três.

          Como ressalva, lembre-se que não é preciso se tornar um robô insensível às questões permeiam a existência humana, mas vale compreender que usar apenas o senso de indignação no momento de desenhar uma política pública não é a melhor saída, e com certeza, isso é um absurdo.

domingo, 11 de outubro de 2020

Lar, doce lar

               “Sweet home Alabama, where the skies are so blue...”, “I’m going home, to the place where I belong”, “I’m lucky, I know. But I want to go home”, “Mama, I’m coming home”, “Leaving home ain’t easy”.

                A colcha de retalhos de trechos de canções do parágrafo anterior se refere a algo mais que presente no cotidiano de muitos: simplesmente: a casa. Normalmente atribuímos o status de casa a locais físicos, um local geográfico que serve de ponto de referência para onde podemos retornar todos os dias. No entanto, já se perguntou o por que de se ter uma casa? Afinal, o que é uma casa? O que ela representa, além de uma estrutura de madeira e concreto?

                Talvez o conceito de casa ao que me refiro esteja mais próximo à ideia de lar, aonde as pessoas se sentem acolhidas, protegidas e cuidadas (ou cuidando). Em outras palavras, o objeto se torna fonte sensações essenciais para a manutenção da sanidade. De um modo mais específico, para além de espaço físico, a ideia de casa está intimamente relacionada ao conflito permanente entre caos e ordem.

                Caos é o que se encontra fora de casa, é o desconhecido, o imprevisível e muitas vezes o indomável, mas ao mesmo tempo é potencial. Enquanto o caos amedronta e paralisa certas pessoas, outras simplesmente cultivam um vício por ele. A ordem é o que está dentro de casa, e é o extado oposto do caos.

                Num olhar apressado, a velha dicotomia entre considerar ordem como sendo algo bom e caos como sendo algo ruim pode ser uma ideia pra lá de atrativa, mas cuidado. A ordem pode funcionar como uma armadilha, afinal é lugar muito confortável para se estar. O mundo fora de casa é dinâmico, portanto, trancafiar-se dentro dela por tempos e tempos pode te incapacitar a lidar com o caos que governa as ruas. E mais, estar dentro dela não significa que o caos não chegue até você. Além disso, lidar com o caos pode ser uma fonte importante de crescimento e de desenvolvimento de potenciais escondidos nas entranhas do ser.

                Assim, a questão essencial passa a ser em como determinar o equilíbrio entre ordem e caos em nossas vidas. Quando chega o final do expediente e vamos para casa para descansar, esperamos nos recuperar de todas as inúmeras incertezas do mundo exterior, para que possamos nos expor ao caos novamente no dia seguinte minimizando o risco de destruição física e mental.

                No entanto, antes de saber alocá-los, é preciso saber reconhecer ordem e caos e então diferenciá-los. Esta capacidade é construída quando arrumamos a cama, a lavamos a louça ou consertamos o encanamento, aprendemos não apenas a identificar as diferenças entre caos e ordem, mas também à produzir ordem a partir do caos, mas também quando um tranquilo passeio de domingo se torna uma briga generalizada entre os familiares. Então percebemos que a ordem é suscetível à irrupção pelo caos, e o caos pode ser tomado pela ordem.

                Mas e se a casa é uma bagunça? Bagunça em um sentido mais amplo do que coisas espalhadas pelo chão. O que acontece quando um lugar que seria um santuário da ordem, na verdade é marcado por um caos torturante? É a sensação de se ter uma casa (objeto) mas não se sentir em casa. Nessa situação, sem um local no qual possamos nos recuperar da superexposição do caos do dia a dia, e sem um lugar em que possamos aprender a transformar o coas em ordem, grandes são as chances de que nos tornemos niilistas e sem esperança.

                Portanto, manter a casa arrumada física e emocionalmente é mais que um mero exercício de benevolência, trata-se de uma ferramenta que nos permite navegar pelo mundo sem que o peso da existência seja grande demais para carregar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Aluno para sempre

            Imagine frequentar um lugar no qual você pode, com uma mensalidade bastante acessível, fazer curso de vários instrumentos musicais, inclusive canto. Sim, é tipo uma Smartfit da música, na qual você gira a roleta e pode escolher qualquer curso de música oferecido pela escola. “Revolucionária”, “única”, “extraordinária”, entre outros, são adjetivos comumente exclamados por aqueles que ouvem a proposta pela primeira vez.

           Sabemos muito bem que não basta ter uma grande ideia, sua execução também precisa ser grandiosa. No caso da Musiflex (seu nome), posso afirmar como aluno, que a execução foi tão grandiosa quanto a ideia. Jamais faltavam esforços para que todos os estudantes tivessem todo o suporte necessário. Importante ressaltar, a escola é dirigida por uma família de sonhadores que queriam, como o próprio slogan dizia, “democratizar o ensino da música”.

            Imagine também você frequentar um lugar onde, apesar de ser moldado como uma escola tradicional, você conta com todo o amparo necessário para para que seu aprendizado seja maximizado, seja ele técnico, material ou emocional. Ao adentrar a BSB Musical você poderia sempre esperar ser recebido de braços abertos por funcionários, professores e outros alunos. Além disso, poderia esperar o que havia de mais moderno em termos de plataformas digitais, diversas modalidades de matrícula, muita presteza e disposição.

             Musiflex e BSB Musical contavam com um auditório realmente invejável e salas de ensaio para que os alunos pudessem interagir e aplicar os conhecimentos aprendidos. Além disso, ambas tinham algo que era incomum e em comum: o ambiente não se parecia em nada com o de uma escola ordinária, mas sim como uma extensão daquela família de sonhadores. Nelas, se o seu nome é João, para eles você era o João, a pessoa, e nunca apenas mais um aluno pagador de mensalidades. Estar num ambiente como esse possibilitava conhecer pessoas que cursavam os mesmos ou outros instrumentos, tornando a aprendizagem mais orgânica, quase como morar num país para aprender um idioma.

            No entanto, com muito pesar, neste dia 2 de outubro de 2020 as histórias de mais de trinta anos da BSB Musical e 5 anos de Musiflex chegaram ao fim.

           Como é bem sabido de todos, os tempos de pandemia são implacáveis e já fizeram várias vítimas, tanto vidas com em vidas. Assim, apenas os melhor adaptados sobrevivem. No caso, ambas as escolas não mediram esforços para se adaptarem ao novo contexto: houveram vários descontos e promoções, foram experimentadas não uma mas várias formas de realização de aulas virtuais e o máximo de cuidado ao retornarem com as aulas presenciais. No entanto, o aumento da inadimplência e a queda de frequentadores devido à crise vitimaram ambas.

             De forma bastante implacável, empreendedores precisam aprender a viver num ambiente de constante adaptação à riscos e incertezas. Principalmente num lugar aonde o padrão ouro é a garantia, tranquilidade, a estabilidade do setor público, tais pessoas merecem todos os aplausos por enfrentarem o desconhecido.

           Embora realmente possam haver por aí empresários “do mal” ou seja lá o adjetivo que queira empregar (estes, em geral são os rent seekers, em economês), antes de simplesmente bombardearmos as pessoas que dedicam o máximo de suas vidas à manter um negocio, é preciso reconhecer aqueles que trabalham para oferecer os melhores produtos e serviços, encarando essa difícil tarefa. Não é sobre dinheiro, é sobre lutar a cada dia para manter um sonho vivo e ao mesmo tempo possibilitar o sonho de outros. Por isso, a mentalidade antiempresarial indiscriminada, fruto da perpetuação de uma ideia ultrapassada, irrealista e preconceituosa, nos impede de avançar como povo e nação. Caso continuemos cultivando tal mentalidade, a pobreza no país realmente terá um passado brilhante e um futuro promissor.

         Se por um lado, este é um texto que eu jamais gostaria de ter escrito por ser relacionado à tamanha perda, por outro, não poderia deixar de prestar esta singela homenagem e tentar fazer com que a longa trajetória e a triste retirada desses empresários do bem jamais seja em vão. As escolas podem ter deixado de existir fisicamente, mas elas sempre viverão na memória daqueles que tiveram o prazer e a honra de fazer parte daquela família.

           Foram muitos eventos, estudos, momentos... à todos os funcionários, professores, e aos donos, o meu muito obrigado não apenas pelos serviços, que podem ser parcialmente substituídos, mas também pela história de vida que vocês proporcionaram à mim e à milhares de outros estudantes ao longo dos anos, e isso sim é insubstituível. Até sempre.

 


domingo, 20 de setembro de 2020

Diferenças, sim. Mas diferenças à parte...

    É gol! Roberto Firmino aproveita o contra ataque fulminante para marcar o gol da vitória do Liverpool contra o Flamengo no Mundial de Clubes de 2019. Após o apito final, um torcedor dos Reds, que estava ao meu lado durante a partida e bastante empolgado com os lances do jogo, disse “You have a very good team! It was a very close match. Congratulations!”. Nos cumprimentamos e tornamos a conversar sobre alguns aspectos da partida. Mesmo após a cerimônia de premiação, o clima entre adversários foi marcado por tranquilidade, respeito, e admiração mútua.

    Do outro lado do espectro, a segunda partida da final da taça Libertadores da América de 2018 entre os times argentinos Boca Juniors e River Plate foi marcado por uma lamentável briga entre torcidas que obrigou as autoridades a realizarem o jogo longe de terras sul-americanas. Os ferimentos no braço e no olho de Pablo Pérez após um chuva de pedras e gás de pimenta lançada por torcedores do River Plate ao ônibus da delegação do Boca Juniors demonstram a incapacidade de coexistência entre os grupos de torcedores acerca de um simples evento esportivo (para eles, com certeza não tão simples).

    Dadas as circunstâncias bastante similares, os resultados finais tão diferentes das inter-relações entre os grupos advém de duas ideias chave: tribalismo e polarização.

    Antes, uma tribo é um conjunto de indivíduos que se conectam a partir de algo que eles consideram significativo, podendo ser religião, etnia, nacionalidade, idioma, laços afetivos, e várias outras coisas, até mesmo time de futebol. Seguindo essa ideia, tribalismo é o conjunto de padrões e atitudes que tendemos a adotar quando estamos envolvidos numa tribo.

      O pensamento tribal afeta a forma com que fazemos julgamentos normativos sobre determinado tópico, criando e cultivando a noção de “nós contra eles” (falando bonito, é a nossa psicologia moral). Discursos implícitos ou explícitos muito comuns são: nós estamos certos, eles errados; nós conhecemos a verdade, eles não; nós podemos falar sobre dado assunto, eles não. Além disso, o tribalismo afeta também a maneira através da qual adquirimos conhecimento e a maneira através da qual consideramos quais tipos de conhecimentos são válidos ou não (nossa psicologia epistemológica, em termos mais sofisticados). Assim, temos maior predisposição em rejeitar o conhecimento originário de outras tribos, e aceitar, sem muito questionamento, os conhecimentos que advêm da nossa tribo.

       O outro termo importante, a polarização, é uma medida do quanto ou o quão forte são as diferenças entre grupos, sejam elas reais ou percebidas. Cabe ressaltar que dependendo do quanto uma pessoa se identifica com o grupo ao qual pertence, as diferenças percebidas são tão relevantes quanto as reais. Podemos dizer que quanto maior a polarização, maiores serão as diferenças entre grupos, e menores serão as possibilidades de acordo.

       Aplicando nossos conceitos chave aos exemplos futebolísticos, podemos então observar que tribalismo em si não é o problema, mas passa a ser quando existe um alto grau de polarização. A relação entre flamenguistas e ingleses é caracterizada como tribal de polarização baixa, enquanto que entre os argentinos a relação tribal de polarização é próxima à máxima. Essas características possibilitaram tanto um duelo amistoso entre torcidas, quanto encontros que beiravam a barbárie.

       Perceba que a polarização pode fazer com que membros de uma mesma tribo segundo algum critério (nacionalidade), tenham conflitos bastante intensos por serem de tribos diferentes em outro aspecto (times de futebol). Brasileiros e ingleses que possuem nacionalidades diferentes, falam idiomas diferentes, e têm costumes diferentes podem conseguiram dialogar, conviver e coexistir, enquanto os argentinos que têm muito mais em comum entre si, exceto pela preferência esportiva, se confrontaram ao ponto de destruírem o que ambos almejavam: assistir ao jogo.

sábado, 12 de setembro de 2020

Jogarão como vencedores, agirão como vencedores e serão vencedores

               Logo na entrada, os frequentadores são recepcionados por um detector de metais e seus pertences passam por revistas similares ao que se é realizado em aeroportos, além de presença constante de seguranças aparentemente armados. Normalmente, isso descreveria perfeitamente a entrada de uma prisão ou de alguma embaixada americana, onde a segurança precisa ser levada ao grau mais alto possível. No entanto, esse cenário ocorre em Richmond, colégio de ensino médio do filme Coach Carter.

                Na trama, Ken Carter, um ex-estudante e ex-jogador do time de basquete da escola retorna como treinador para tentar elevá-lo a outro patamar. Mas Carter tem a difícil missão de treinar um grupo de jovens inquietos e aparentemente bastante indispostos a seguir qualquer regra estabelecida. Assim, o coach Carter utiliza suas melhores armas para realizar o trabalho da melhor forma possível.

                A primeira delas consiste num contrato no qual se comprometem a manter uma nota mínima, vestir paletó e gravata durante aulas e dia de jogos, assistir à todas as aula e sentar na primeira cadeira durante as aulas. A premissa básica é a de deixar clara as regras de interação entre o grupo, de forma a incentivar comportamentos virtuosos por parte dos garotos. A ideia de que “se os rapazes não conseguirem cumprir um simples contrato do time de basquete, quanto tempo levará para quebrar a lei?” é então implantada.

                Segundo, coach Carter é simplesmente implacável e irredutível com comportamentos que violem quaisquer das regras usadas por ele para dirigir o time. Caso algum dos atletas descumprisse as regras do contrato ou alguma regra implícita definida por ele, o primeiro seria submetido a punições em forma de carga adicional de exercícios tanto para o time todo, quanto para o infrator. Em um caso extremo, como grande parte do time não havia cumprido o contrato assinado, ele opta por suspender o time inteiro por certo período. Cabe também mencionar que em dado momento, Carter pune seu filho por um atraso acidental, mostrando que não haveria tratamenta privilegiado a nenhum membro da equipe, e que todos seriam tratados como iguais.

                Outro fato interessante é o de que Carter não é uma pessoa qualquer. Como ele mesmo diz, suas credenciais estão estampadas na parede do ginásio como reconhecimento de seu mérito como atleta. Carter também conseguiu uma bolsa de estudos para uma boa universidade, fato raro dentre os egressos de Richmond. Ele sabia usar a força quando necessário, e sabia argumentar e defender seus princípios, sendo então exemplo de que quando o líder mostra virtude , menor a necessidade de força e coerção para fazer valerem as regras do jogo perante os liderados.

                Agora realizando a usual aplicação à ciência econômica, a história descrita suscita a importância das instituições. Resumidamente, instituições são as regras explícitas (geralmente expressas em forma de leis e normas), implícitas (costumes e cultura) e a capacidade de fazer valer tais regras (enforcement). Em outras palavras, instituições como as regras do jogo. No momento em que Carter adentrou o ginásio para treinar o time, ele estabeleceu o conjunto de regras através dos quais os jovens deveriam seguir para se tornarem elegíveis para jogar, gerando um ciclo virtuoso de hábitos e costumes que disciplina, trabalho árduo e respeito.

                O filme ilustra como os mesmos indivíduos, no caso, os jogadores, submetidos a instituições forte podem apresentar resultados completamente diferentes. A criação e o cultivo de incentivos que valorizem as virtudes aqui descritas tendem a gerar resultados melhores do que instituições fracas e que moldam negativamente as relações entre os indivíduos (tal como eram as regras antes de Carter assumir o time). É importante frisar que implantar tais instituições virtuosas não aconteceu de imediato, tampouco sem atritos, mas que ao fim, ensinaram os jovens a jogarem como vencedores, agirem como vencedores e se tornarem vencedores.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Quanto custa alimentar o espírito?

              “Além de cortar o cabelo, ou fazer a barba, você pode também contratar o serviço de massagem. É como um serviço adicional qualquer, e muito relaxante“ me foi dito certa vez acerca dos habilidosos barbeiros/massagistas indianos, que além ajudarem a melhorar o aspecto do corpo, dizem também alimentar o espírito ao oferecer massagens ao seus clientes.

                Esse serviço pode ser contratado em diversas barbearias das cidades indianas, mas não é incomum encontrar uma tenda à beira da calçada na qual os serviços são oferecidos por barbeiros igualmente habilidosos. Fumaça, barulho constante, nenhuma proteção contra possíveis colisões de veículos, poeira levantada pelos veículos, nenhum banheiro próximo, nada impede que moradores e turistas de frequentarem tais lugares. Aparentemente, tais serviços não estão apenas disponíveis na Índia. Até onde sei, a Turquia tem uma tradição parecida, então é mais uma opção para quem deseja experimentar.

                O fato de existirem barbeiros massageadores parece interessante o suficiente, no entanto, a coisa fica ainda melhor. O preço, tanto pelo pacote completo de corte e massagem, tende a ser cerca de menos de um dólar. Logicamente o preço varia de acordo com a taxa de câmbio e outros fatores, mas é uma aproximação razoável.

                Interessante também que, comparando habilidades por habilidades, os barbeiros indianos dificilmente perderiam para, por exemplo, um barbeiro americano que cobra muito mais de um dólar por seu serviços (que em geral, não incluem massagem). Provavelmente os barbeiros indianos adorariam cobrar muitos dólares de seus compatriotas, ou de ir para os EUA e ofertarem suas habilidades pelos mesmos preços dos americanos, mas obviamente não é esta a realidade para a maioria esmagadora.

                Serviços que dependem fisicamente do prestador (non-tradables em economês) não podem ser livremente movidos de um lado a outro como, por exemplo, uma nova versão do Iphone (tradables). Assim, o preço dos serviços tendem a divergir entre os países, enquanto que o preço dos produtos exportáveis, não muito (descontados frete e impostos, este que pode distorcer bastante os preços). Se o preço de um produto diverge de um lugar para outro de forma persistente ao longo do tempo, seria muito vantajoso para as pessoas comprarem no local mais barato e vender no lugar mais caro. Lucro sem risco!

                Sabemos que, na prática, os preços divergem de lugar para lugar, mas os serviços tendem a divergir mais do que produtos em termos percentuais. Em países mais pobres como a Índia, os níveis salariais tendem a ser menores que nos EUA, o que impede os barbeiros massagistas de cobrarem preços americanos à seus compatriotas. Então, aparentemente, caso vá para a Índia num futuro próximo, é possível que alimente o espírito por cerca de um dólar.

sábado, 15 de agosto de 2020

Seu nome importa se você não for...

 

                Imagine que, por um infortúnio, você seja comedido de um câncer no cérebro. Você só irá desejar ser operado apenas por alguém que já tenha tido um câncer no cérebro e que se sinta exatamente como você, ou escolherá a pessoa mais qualificada do ramo e que possui altas taxas de sucesso em seu currículo mas não tem ideia absolutamente nenhuma do que você está passando?

                As chances de que você se identifique mais com a pessoa que passou pelo mesmo problema que você do que com o profissional eficiente é muito maior. Saber quantos são os momentos de dor, quantas as vezes a desistência do tratamento parecia ser a opção mais óbvia, e conviver com a incertezas trazidas pela saúde debilitada realmente têm potencial de gerar um elevado grau de empatia, pelo menos num primeiro momento.

                Compartilhar características em comum permite fazer generalizações e agrupamentos. Fazemos várias generalizações ao longo de um dia, afinal, endereçar as particularidades de cada pessoa sobre cada atributo possível pode ser uma tarefa deveras custosa. Não há problemas em, dependendo das circunstâncias envolvidas, colocar “etiquetas” nas pessoas. Mas não saber a essência, o limite tampouco as consequências dessas generalizações e correr o risco de usá-las em momentos impróprios é sim um problema um tanto relevante.

                Em termos um pouco mais rigorosos, generalizar e agrupar significa dizer que a variação das características dentre os indivíduos de um grupo é tão pequena, que ao conhecer um indivíduo da população, você consegue saber tudo o que há sobre qualquer outro daquela mesma população. Ao mesmo tempo, a variação de atributos entre um indivíduo de um grupo e outro indivíduo de outro grupo é tão grande que é possível admitir que, por pertencer grupos diferentes, esses dois são extremamente diferentes.

                Assim, agrupamentos e generalizações são ferramentas, formas de racionalizar a realidade complexa, precisamos usá-los com prudência. Diálogos com objetivo de estabelecer terreno comum, como decidir aonde passar as férias com a família, conhecer um novo colega de trabalho ou de faculdade, negociar um contrato com um cliente, são péssimas circunstâncias para incluir alguém no grupo de pessoas tão A ou B. Por outro lado, quando se pretende desenhar políticas públicas focadas, ou quando um desconhecido está vindo em sua direção numa rua escura e sinuosa, isto é, situações nas quais não é possível, por restrições de tempo ou pelo risco envolvido, individualizar as relações, o bom uso das ferramentas é muito bem vindo.

                Parece um trabalho um tanto ardiloso aprender a generalizar, e a verdade é que cabe a cada um julgar cuidadosamente, de acordo com seus objetivos e experiências, quando colocar as pessoas em cestas de atributos, afinal, como diz o velho ditado “quando se tem apenas martelo, tudo é prego”.

 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

É só uma questão de dinheiro?

                Seu João trabalha como vendedor numa livraria de sua cidade. Exceto em dias de resfriado severo, é o primeiro a chegar à loja (antes mesmo da gerente). Ele se dedica bastante ao ofício e, ao longo dos anos, desenvolveu bastante habilidade em organizar livros, atender o público, rearranjar prateleiras e gerir estoque. Apesar dos grandes esforços de seus donos, a livraria se vê em dificuldades e acaba por fechar as portas. Assim, João e outros doze funcionários perdem o emprego e se veem em uma situação complicada. Para amenizar a terrível notícia, João e os demais acionam o seguro desemprego.

                Por um determinado período, João recebe uma quantia em dinheiro para que possa passar alguns meses à procurar de outra atividade que possa lhe servir de renda. Com tamanha experiência na livraria, ele monta seu currículo baseado no conjunto de habilidades que ele desenvolveu, adicionando alguns outros cursos que fez por conta própria, ele vai à luta.

                A história do seu João é bastante pertinente para algo que estamos vivendo atualmente, a pandemia Covid-19. Nela, podemos distinguir dois problemas que são confundidos de forma bastante corriqueira: o problema econômico e o problema financeiro. Obviamente ambos estão conectados, no entanto, é importante distinguir para que se possa fazer um diagnóstico mais preciso da situação.

                Ao perder o emprego, João, em princípio, perde a possibilidade de produzir serviços que seriam úteis a outras pessoas. As possíveis curas para esse problema são potencialmente duas: ou João se realoca no mercado de trabalho em outra atividade; ou ele procura um emprego igual ou similar ao que já fazia na empresa anterior[1].

                Outro problema é que as contas não param de chegar. João precisa quitar as contas de cartão de crédito, de luz, de água, gás, e muito mais. Em outras palavras, ele tem compromissos financeiros que precisam ser honrados para que ele não fique deficitário, mas com a perda do emprego, o auxílio é sua única fonte de renda. A cura para isso é uma só: ter mais dinheiro.

                Podemos perceber então que o auxílio empregado por diversos governos mundo afora ameniza o problema financeiro, e tenta, mas não resolve o problema econômico. Aquilo que João poderia produzir caso estivesse em algum emprego, ou resolvesse empreender, não é produzido, portanto, são coisas a menos no mercado. Ao não atender um cliente, este poderá ficar sem o livro que precisa e não exercerá sua atividade, ou não desfrutará de uma leitura de lazer, portanto, estará mais pobre em termos de bem estar[2].

                Talvez o exemplo de um serviços seja menos intuitiva, mas pense que isso vale também para menos peças de roupa, produtos de higiene, ou combustível para usos diversos. Logicamente os efeitos não são sentidos em todos os setores ao mesmo tempo, inclusive alguns podem até ganhar com isso, mas no geral, o mundo está mais pobre não apenas por ter menos dinheiro, mas por ter menos coisas para consumir[3].

                Voltando finalmente ao Covid-19, a postura geral em realizar o lockdown mundo afora traz benefícios mas também traz custos. O benefício seria a frenagem da propagação do vírus e o colapso dos sistemas de saúde, e os custos são econômicos.Mas como vimos, a ajuda financeira não resolve o problema econômico, pois produtos e serviços deixaram e deixarão de ser criados, transportados, e vendidos. Portanto, quanto mais tempo o fechamento durar, menor o efeito da ajuda financeira sobre o problema econômico.

[1] Na história, todos os seus esforços estão sendo utilizados na distribuição de currículos e esporádicas entrevistas de emprego, mas poderia muito bem ser o caso de ele tentar se aventurar num empreendimento.

[2] A discussão envolve outras questões adjacentes como o chamado Efeito Substituição, que podem afetar mudar os resultados, mas dado que é apenas um exemplo, vamos desconsiderar tais complicações.

[3] É preciso ter em mente que consumo na abordagem econômica é um termo amplo, e pode ser utilizado em diversos contextos, até mesmo, como por exemplo, consumir tempo livre com a família, ou tempo para um hobby.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Felizes para sempre?

          “Você não é perfeito, ela tampouco. Mas a questão é saber se vocês são perfeitos um para o outro” essa frase é uma adaptação do que foi dito por Sean Maguire, o psicólogo que ajuda Will Hunting em Um Gênio Indomável[1], ao saber da relação de Will com a jovem Skylar. Apoiando essa ideia, ao longo do filme, o psicólogo revela várias facetas do seu relacionamento com sua falecida esposa, desde o momento em que se conheceram, passando por diversos fatos aleatórios, até relatar seus últimos momentos juntos. Com as histórias, Maguire deixa claro para Will que ele e sua esposa construíram uma narrativa juntos, até o ponto em que seria impossível entender cada uma de suas vidas sem a presença um do outro.

            Ninguém é perfeito, é verdade, mas com tantas pessoas neste mundo, a verdade é que provavelmente existe por aí outra pessoa que é perfeita pra você e você para ela. Todos os atributos nas listas de desejo de ambos seriam mutuamente satisfeitos e vocês viveriam felizes para sempre. Mas a realidade é bastante cruel. É preciso aceitar que as chances de vocês se encontrarem no exato momento em que estão dispostos a se “amarrar” a alguém não é impossível, mas é altamente improvável.

          Se a realidade não é dura o suficiente, os economistas só pioram as coisas ao tentarem entender o mundo e as decisões das pessoas baseadas na insensível análise de custo-benefício, e é justamente o que será feito aqui.

            Ao decidir continuar a procura pelo par perfeito, o benefício, obviamente, é o de justamente encontrá-lo e viver a vida dos sonhos, enquanto que os custos podem ser sintetizados no chamado custo de procura, que cabe um pouco mais de detalhe. Ao decidir continuar a busca, você está, sobretudo, na mira do relógio biológico, que afeta, entre outras coisas, a possibilidade de ter filhos e o seu valor nos mercados de beleza e saúde. Você também incorre no custo de solidão, isto é, você está deixando de produzir a narrativa da sua vida ao lado de alguém. Também, outro ponto é o risco de dispensar bons potenciais candidatos em troca de outros não tão bons. Por fim, você precisa investir tempo, dedicação e finanças em conhecer outras pessoas.

          Por outro lado, ao decidir deixar a procura e se estabelecer com alguém, você terá os benefícios de aproveitar o relógio biológico, de ter mais tempo para cultivar uma narrativa, e terá alguém para “curar” sua solidão. Os custos da união são os de possivelmente encontrar o tal par perfeito e não poder se relacionar com ele, ou de futuramente encontrar alguém que você considere mais compatível com suas preferências quando comparado com o par escolhido.[2]

          Então a pergunta essencial que afeta o problema de encontrar o par perfeito é: quando parar de procurar este alguém perfeito e aceitar alguém menos que perfeito?

            O dilema é excruciante, mas nem tudo está perdido. Assim como Sean Maguire em dado momento do filme diz “eu conhecia cada idiossincrasia dela, e ela, as minhas, e é isso que a tornou minha esposa” podemos fazer uma analogia com o conceito econômico chamado capital humano específico de uma firma. Posto de forma reduzida, o conceito diz que quando um bom empregado trabalha muito tempo numa única firma e conhece cada pequeno detalhe dela, ele se torna muito mais valioso para esta firma do que para qualquer outra, e vice-versa. Portanto, ao usar esta ideia, o objetivo não é mais encontrar o par perfeito, mas sim alguém bom o suficiente para que, ao longo do tempo, vocês se tornem as melhores opções possíveis um para o outro.



[1] Good Will Hunting, no original.

[2] Seja por decidir continuar a busca ou por estabelecer-se, é óbvio que existem outros fatores mais detalhados que podem influenciar a escolha, mas para evitar que o texto se torne um tratado, eles não serão considerados.


sexta-feira, 24 de julho de 2020

Tédio com fritas, por favor

“O Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!

Ó Fantasma enfadonho!

És o sol negro, o criador, o gêmeo,

Velho irmão do meu sonho!”

                Assim termina o poema “Tédio” de Cruz e Sousa, um simbolista brasileiro que viveu e morreu em meio à tragédia. Entre almas sem rumo, sabor de sangue, e mudas epilepsias, ele descreve as angústias de alguém que se sente impotente perante as constantes da vida. Por meio de imagens mórbidas, da escuridão, do crepúsculo, o tédio é descrito como uma força implacável, imparável, e amorfa, que se apresenta de todas as formas.

                Lógico, as interpretações de um poema não são um uníssono, mas passada toda a sofisticação literária e posto de forma bastante simples, o tédio é indicativo de que nada de diferente está acontecendo na vida de alguém. Mas seria isso ruim? Depende. Irei classificar as possibilidades em três tipos, em geral, mutuamente excludentes.

                Primeiro, seu tédio advém de não estar fazendo absolutamente nada, indicando que existam poucas chances de você romper sua inércia, gerando uma sensação de vazio infindável. Segundo, o tédio assombra seus dias porquê você está fazendo a mesma coisa de sempre, mas sem objetivo, isto é, algo que te oferece uma sensação espúria de movimento e que não se converte em melhorias de nenhum modo. Terceiro, se você está comedido de tédio é porque está fazendo a mesma coisa de sempre, mas é algo que lhe servirá de meio para atingir algum objetivo previamente traçado.

                Antes de mais nada, o “fazer nada” tem o seu tempo e lugar. Após um longo dia de trabalho, ou após uma maratona de serviços voluntários ao ajudar um amigo com a mudança de casa, o ócio é quase que uma necessidade, no entanto, não está muito claro a forma como isso se converte em tédio. Estou tratando de um “fazer nada” que resulta nas imagens trazidas por Cruz e Sousa. A ociosidade e o falso movimento tendem a desacompanhar a percepção de recompensa, de forma que sua persistência apenas consome o indivíduo. Nesse sentido, as duas primeiras possibilidades tendem a ser primos próximos. Entretanto, não focarei tanto nestas duas.

                Quanto à terceira possibilidade, temos um importante elemento diferente. Para conseguir certo nível de proficiência em alguma habilidade, você precisa de prática, em outras palavras, repetição. Repetição é algo inerentemente chato do médio para o longo prazo, mas é o que lhe garantirá a tal proficiência (mesmo talentosos precisam exercitar o talento, senão serão apenas um eterno retrato do que poderia ter sido). Passado aquele pulso inicial de entusiasmo decorrente do turbilhão de novidades, é difícil não se entediar com a mesmice e o recém tornado ordinário.

                Caso tenha encontrado uma atividade em que isso não seja o caso, apenas aproveite! Mas caso contrário, a deveras muito utilizada expressão “força de vontade” tem que estar tatuada no subconsciente. Para casos assim, você precisa simplesmente se apaixonar pelo tédio, pois os ganhos que farão diferença serão justamente aqueles dos dias em que você não estava com a mínima vontade de treinar, mas foi assim mesmo.

                Portanto, saber identificar a fonte do tédio é um imperativo para saber o que fazer com ele. Cada uma delas possui os mesmos sintomas, mas o tratamento e a dosagem indicados é bastante diferente.

 


segunda-feira, 13 de julho de 2020

Se for engraçado, é lucro: Numa galáxia muito distante...

Nos desenlaces de uma guerra intergalática entre as raças alienígenas dos NUMBERS e sos LETTERS, numa dada batalha os lados estavam recusando se expor, e não era possível matar ninguém. Até que um NUMBER teve uma ideia: Ele pensou “todo LETTER adora literatura”, então eles emitiriam um sinal com alguma coisa literária e logo que os LETTERS aparecessem, eles matariam a todos. Então, o NUMBER enviou:

- Na minha terra tem palmeira...!!!

Uma grande quantidade de naves LETTER apareceu dizendo “onde canta o sabiá” e os NUMBERS destruíram todos!

Os LETTERS, vendo que metade do exército tinha morrido resolveu revidar. Pensaram: "Tudo quanto é NUMBER adora matemática". Então enviaram:

- Número real logaritmo de menos 1?!?!?!?

Simplesmente o batalhão inteiro dos NUMBERS apareceu e enviou:

- Não existe!!!

E os LETTERS responderam:

- Ah, se existisse...

 


Moral da história: ideias são interessantes pois o fato de uma pessoa usá-la não impossibilita outra de também usá-la (bens não rivais, em economês), o que permite sua rápida disseminação de forma a elevar o estoque de conhecimento com um mínimo de custo. No entanto, é preciso que aqueles que forem usar dada ideia tenham o mínimo de preparo para absorvê-la e a capacidade de implantá-la. Assim como uma pessoa que não estudou inglês não poderá se beneficiar totalmente de um material específico nesta língua, os LETTERS não compreenderam totalmente o uso da isca e não se aproveitaram ao máximo da estratégia (logicamente trata-se de um exagero, mas entenderam a ideia).